Devaneios: A vida, sem a vida.

Tudo e nada se confundem em cada passo da existência, se outrora olhamos para o mundo com o olhar altivo de quem tudo tem, depois temos que baixar o olhar para além do nada, porque é exatamente isso que temos, nada!

Quando nos confiam a preciosidade do todo, nós sujeitos baixos, vulgares, incrédulos e cheios de defeitos nos entendemos acima do bem e do mal e tais quais relíquias preciosas protegemos na infantil esperança de aquilo nos pertence, quando na verdade, aquilo nos foi concedido por prazo determinado.

O entendimento de perder e ganhar, ter e buscar é algo muito além do que nossa vã existência pode compreender. Por que agora? Por que tão pouco? Por que eu? O que eu fiz para merecer isso? E a resposta nada mais é que nada! Agarramo-nos em amizades efêmeras, abraços fraternos, soluções paliativas de um temor interminável. Perdemos e ponto final.

Somos pequenos demais para entendermos que fazemos parte de um meio, que o fim ainda é distante e incompreensível aos olhos dos cegos de alma, daqueles que desejam, amam e buscam Vez ou outra, depois da perda, nos flagraremos fazendo as mais intensas conjecturas de como teria sido se…

Mas o “se” é habitante fiel do pensamento emocional, não habita a razão, ao contrário, são inimigos. O “se” é como a tortura vitoriana que vence pela pressão mental e não física. Ao final do exercício do “se” nos sentimos tão medíocres e derrotados que parece que o mundo não vale mais a pena.

Resta tentarmos, e aí que o verbo tentar seja claro em sua definição, entendermos que somos o “se” de outras pessoas. E que se o presente nos foi dado e logo depois tirado, o meio é a razão do fim. Logo mais a frente iremos mirar a real razão do existir, e que a dor dilacerante que rasga nossa alma além da possibilidade humana da dor é na verdade um toque de requinte do destino, que nos avisa: vivei e senti. Esperai e passai. Lutai e vencer. Mas jamais seja passivo diante da batalha, ela é dura, as baixas serão sentidas e em breve serão repostas, é o ciclo do ser.

Tudo ou nada, motivo ou questão, no emaranhado do todo… estamos combalidos, mas vencidos, jamais em homenagem ao agora nada, que um dia foi nosso tudo.

O velho Machado ensina:
“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito”

Descobri tarde demais…

Em 2011 ainda trabalhava no grupo RBS, o mesmo grupo de comunicação que um dos primeiros jornalistas que conheci trabalhava, chamava-se Norberto Silva no Paraná, era Norberto Well em Santa Catarina. E eis que hoje, descubro, tarde demais, a sua morte.

Puxa vida, fiquei bastante chateado sabendo da morte do jornalista Norberto. Era um grande amigo de meu pai e um cara sensacional.

Lamentei muito mesmo! Os primeiros livros da área quem me indicou a leitura, sempre certeira, foi ele. A primeira ligação de parabéns (fora da família, claro) pela primeira edição impressa do Jornal do Povo Paraná foi dele.

Grande sujeito, deixou com certeza sua marca no jornalismo paranaense e catarinense.

Abaixo, as duas últimas crônicas escritas por ele… recomendo muito a leitura!

A VOZ DE MUITAS ÁGUAS (publicada no Anexo em 13 de junho de 2011)

A escravidão deixou o branco mais marcado que o negro.
O cativeiro emergiu com o orgulho mais ferido que o filho do cativo.
Este saiu com a altivez incólume da servidão; pois sobreviveu à mais cruel tortura, que somente um animal como o homem concebe perpetrar contra seu semelhante.
Mas o pavor do branco agora é ser confundido com a senzala.
Enfrenta qualquer negociação para servir à elite, para parecer elite, principalmente politicamente.
Os rotos imbecis, bêbados dos campos de golfe, das camisas engomadas de vômitos de suas avarezas, já lustraram os coturnos militares que se curvam aos milicos norte-americanos. Agora temem a periferia ou qualquer manifestação dela. Inclusive quando ela come; se assustam.
Uma mão direita a criar leis para manter seus privilégios.
Pobres diabos grotescos, mal leem um jornal por dia e, quando leem, escolhem um diretamente parcial, por temer ser desmascarados e então se julgam intelectuais;
Falsos aristocratas, burricos mal-humorados, ataviados de inteligentes. Que na primeira oportunidade esticam as cercas nos terrenos do povo para depois gritar pelo direito à propriedade.
Sentem-se seguros se ajuntarem casa a casa; achegarem herdade a herdade, até que não haja mais lugar para ficar sós como moradores da Terra.
Vestem uma farda num pobre ordinário e dão-lhe um mísero salário para que ele defenda até a morte o domínio furtado, matando o próprio irmão para preservar direitos que não lhes pertencem, e os consola com uma medalha e uma notinha no teu jornal.
E então lhe chama “Cidadão”.
Depois alastra o ódio; dissemina a mentira por todas as vias que lhes chegam às mãos e convence a classe média de que terá um lugar na casa-grande, se lhe acariciar os colhões.
Predadores sociais, estranguladores, quando falam de flores, são flores carnívoras, trepadeiras que se alimentam de sangue.
Enquanto os jovens gemiam pelos porões, pendurados a ferros de torturas, vocês brindavam em cristais suas negociatas e o crescimento do desemprego que lhes daria mais mão de obra barata.
Agora que a Bastilha começa a tremer, que seus pescoços perfumados sentem a lâmina da guilhotina, vocês buscam na ignorante classe média a volta de seus asseclas ao poder, por meio de partidos que pertenceriam aos fariseus, uma vez que se vocês vivessem no tempo, Cristo tê-lo-ia crucificado, já na primeira vez que ele multiplicou os pães.
Este país ainda não saiu da “Casa-grande e Senzala”, e o branco teme ser confundido com aqueles que vivem no pátio, abaixo de apito.
Precisa parecer casa-grande nem que para isso sacrifique o futuro de seu neto.
O pavor em ser confundidos com a senzala é o tronco que a história lhes reservou e do qual não poderá fugir.
E mais uma vez serão derrotados pelo povo.
Uma música que lembra a “Marselhesa” vem sendo entoada na esquina, como a voz de muitas águas.
E quem sabe libertará também.
Aqueles que, ao escravizar, tornaram-se cativos de seu próprio medo. Pois vivem sob o jugo do terror de serem assaltados, ou o temor de serem confundidos com o terreiro.
E preferem a segurança da escravidão, no quarto do pânico, ao risco da liberdade.

O TECELÃO DE SONHOS (publicada no Anexo em 6 de junho de 2011)

Agora eu sou tecelão, mas no tempo em que a carne era preservada no mel, ou na banha de porco, em latas de 18 litros, eu era um pescador de sonhos. O rio, o barrento, rio Hercílio, que atravessava Ibirama, girava o circuito de nossas vidas e nossa existência em torno dele.
Nossa canoas eram feitas de tábuas de cedro, ao contrário das dos indígenas, confeccionadas com uma tora só, mas eram com elas que corríamos o rio a tarrafear com meu pai, para pegar jundiá, no poço do salto, durante o inverno, e cascudo das inúmeras pedras do rio, nas noites de lua cheia, no verão.
O rio e a agricultura formavam nossas vidas de coletores, uma vez que até as vassouras fazíamos de piaçaba, ou de palha de milho, e os cestames de bambus eram um lugar comum em nossos terreiros. Assim se entrelaçavam a minha vida e a do meu pai. Dos índios comprávamos cocares, bodoques e flechas para decorações, somente. Afinal índio, por índio, meu avô era mestiço, e eu, hoje me olho no espelho deste hospital, onde me restabeleço de um transplante de rim, e vejo os traços guarani em minha pele, meus olhos e meu jeito de quem já andou aonde muita gente não sabe se vai.
Meu pai um dia deixou a canoa fora d’água, porém cheia, para a madeira não secar e foi pedir serviço na Celesc. Serviço? Tem, respondeu o encarregado e lhe deu uma foice para roçar embaixo das linhas de alta tensão. Foram 26 anos de trabalho na “Se lasque”, e 18 fatias de pão no café das manhãs todos os dias para suportar o puxado. Ainda havia tempo para plantar, colher e pescar.
Eu cresci pescando ilusões pelo rio Hercílio, e captando sonhos na Escola Básica Elizeu Guilherme. Na adolescência fui trabalhar “fichado” em uma laminadora, no meio das toras que vinham do Mato Grosso. Eu, filho de índio Xocleng e Tupi Guarani, casado com filha de alemães, resultando em quatro filhos genuinamente catarinenses, do Baixo Vale do Itajaí. Meu nome é Luiz César da Silva, tenho muitos xarás, mas uma só história. A minha e a do rio Hercílio. A de um amigo que sempre esteve ali a refletir a lua, nas noites de tarrafas, a dourar o sol, em seus saltos, nas tardes de verão.
As águas do rio Hercílio levaram todas as minhas dores, todas as minhas mágoas, e hoje estou mais perto do mar, em Gaspar, a pescar no córrego de irrigação de arroz, aos finais de semana. Troquei o espelho do rio por este reflexo de vidro do hospital e meu nome é Luiz César da Silva, tenho muitos xarás e uma história somente: a história de como se fez um povo genuinamente catarinense que juntos com nações distantes teceram o sonho barriga verde. Por isso eu digo – Eu vim; tu vieste; ele veio. – É assim que se fala português. Catarinense põe orgulho no teu sotaque.

Quando a incompetência mata…

Muitos dos que me conhecem me consideram inocente demais para discutir política. Sempre parto do pressuposto que todos são bons, quando descubro que a verdade é diferente me coloco em uma posição de extrema crítica, é o que acontece com o grupo do atual governador Beto Richa do qual faz parte o prefeito Luciano Ducci.

Esperei cerca de 24 horas para escrever este texto para tentar ser o mais sereno possível, mas o título deste humilde relato diz tudo, sim, a incompetência mata! Desfilando nos jornais, rádios e tvs estão diariamente o atestado inconteste do assombroso crescimento da violência nas terras das araucárias. Em Curitiba, por exemplo, mata-se muito mais que em países como o Paquistão, Rio de Janeiro ou São Paulo.

Ontem, no bairro de Capão Raso em Curitiba um metalúrgico de 34 anos morreu assassinado por um menor na frente da mulher, da filha e de sua mãe, o rapaz queria o carro, assustado com a juventude do assaltante e imbuído de um sentimento que deveria misturar indignação, frustração, raiva, de ver o seu patrimônio construindo sob o sol do dia a dia sendo levado, ele fez o pior, reagiu, levou quatro tiros e morreu.

Mas pergunta o curioso leitor, o que tem o poder público com isso? Afinal, ele não pode prever todo o crime que acontecerá. Será mesmo? Pergunte-se leitor:

– o poder público deu todas as condições para o que jovem assassino tivesse outra escolha de vida que não a marginalidade? Ele teve acesso a educação de qualidade, moradia digna ou até mesmo assistência clinica e psicológica quando se envolveu no mundo das drogas?

– o trabalhador que morreu teria tido outras alternativas que não deixar a sua filha com a avó para que ele e a mulher pudessem ir trabalhar. Se as creches de Curitiba estivessem com vagas a disposição, essa alternativa não teria sido bem melhor? Afinal, ao menos teoricamente, ele iria parar seu carro em frente a uma creche segura, com um guarda municipal na porta cuidando de pais e alunos.

– se o transporte público de Curitiba fosse realmente tão bom, não seria melhor ele ter ido trabalhar de carro evitando assim que ficasse exposto aos perigos da sociedade.

– os impostos que ele pagou durante toda a vida não foram suficiente para dar uma melhor condição para a segurança pública visto que além de não prenderem o menor, o corpo do trabalhador ficou por 4 horas na calçada esperando a chegada do IML.

Ali, no chão, com o marido morto nos braços, aquela mulher, também trabalhadora, também pagadora de impostos deve ter pensado em todas as alternativas que o mundo não lhe ofereceu, pensando em como tudo poderia ser diferente, em como sua vida seria a partir de agora.

Ela, infelizmente terá que ouvir nos meses que se seguem discursos inflamados de como tudo está maravilhoso em Curitiba. De como os governos passados deixaram tudo errado e que agora terá que ser arrumado, de que Curitiba precisa continuar no bom caminho que está. Talvez, ao ouvir estas palavras, anestesiada por uma dor que não pode ser descrita em palavras, ela nem deixe de acreditar, embalada na solidão de seus pensamentos só lembrará mesmo das palavras da filha ao ver o pai morto.

– Mãe, não quero ir mais na casa da vovó, não gosto de levar tiros!

Conseguiremos através da morte separar os tomates podres?

Ontem recebi um link com o seguinte nome “Malandro levando tiro”, a principio não abro vídeos com estes nomes, mas este me fora recomendado por um amigo que via de regra só repassa coisas que valem a pena, esse caso, não era uma destes casos.

O vídeo, que não, não irei colocar no blog, mostra o que parece ser uma reportagem policial falando sobre um jovem que fora alvejado e que aguardava a presença da ambulância, de repente, um jovem vestido de roupa amarela chega, saca o revolver de sua bermuda e dispara contra o quase moribundo, simples assim. Saque, tiro, morte.

A cena é tão simples, que choca, é a primeira vez que vejo a vida humana tomar um rumo tão barato. É a primeira vez que vejo o medo que assassinos tem da punição, ou seja, nenhum.

Havia no local testemunhas, havia uma equipe de reportagem, para o bandido é como se não houvesse ninguém. Ele simplesmente matou e seguiu com sua vida. Infelizmente não consegui maiores informações sobre o caso. Conversei com um jurista para saber o que efetivamente poderia acontecer com aquele assassino visto que ele não tinha nenhum tipo de defesa plausível.

A resposta é estarrecedora: ele certamente ficaria preso até 3 anos antes de ser julgado, isso levando-se em conta que não tivesse dinheiro para contratar um bom advogado, se tivesse seria um novo Pimenta Neves, matou, confessou, todo mundo sabe quem foi, mas esperou em liberdade. Quando julgado iria pegar a pena máxima e os anos não importam tanto, superaria 30 anos mas a lei brasileira não permite que alguém passe tanto tempo na cadeia.

Preso, se tivesse bom comportamento  a partir do sétimo ano de pena (dos quais teoricamente já teria cumprido 3 anos do julgamento) poderia pedir liberdade condicional, ou seja, 7 anos após ter atirado e matado a sangue frio outro ser humano, poderia estar nas ruas, solto, a vontade para fazer o que bem quisesse.

Não sejamos ingênuos, o mundo jamais passou por períodos de paz, o ser humano sempre foi mal por natureza, sempre praticou crimes contra o seu próximo, até mesmo na Bíblia um irmão matou o outro em busca de benção e poder. O que mudou com o decorrer do tempo foi o tipo de punição, passou do nada para o “olho por olho” , no Brasil retornamos ao nada.

A vida, ganhou um preço, baixo. Todo mundo pode pagar. Se quiser tirar uma vida, fique a vontade, a sua pena será ridícula, sua vida dar digamos, uma pausa, depois você aperta o play novamente e segue como se nada tivesse acontecido.

Via de regra sou contra a pena de morte, mas há casos que me fazem repensar esse preceito religioso, a pergunta que fica é: conseguiremos através da morte separar os tomates podres?

A morte de um símbolo

Uma das mortes mais tristes que vi nos últimos anos foi a do estudante pernambucano Alcides do Nascimento, morto por engano, na sua casa, na sua pobre casa. Alcides tinha todas as desculpas do mundo para ser um “ninguém” ou um “bandido”:  Sua família faz parte do excluídos sociais, a mãe, catadora de lixo, o pai fugiu, ele, preto, pobre e catador de lixo.

Inúmeras vezes acompanhou a sua mãe em busca do sustento do dia, esperando que a burguesia pernambucana lhes proporcionassem bastante lixo reciclável para ser vendido. Apesar de analfabeta, a mãe de Alcides, tinha a maior das inteligências: ela sabia ler o mundo a sua volta e entendia que enquanto o seu filho continuasse a acompanhando  ele teria o mesmo destino que ela, então mandou que estudasse, assim ele fez.

Continuou acompanhando a mãe, mas sempre com um livro nas mãos. Imagino que sentia até certo remorso por estudar enquanto sua mãe trabalhava. Valeu a pena.

Seu estudo lhe valeu o primeiro lugar no vestibular, virou orgulho da família, do bairro e da universidade que estudava. O reitor pessoalmente acompanhava a vida e o desempenho do rapaz, que sempre com contava com orgulho que sua mãe era uma catadora de papel, não se acanhava e muito menos se envergonhava da atividade que o trouxera até ali.

Numa fatídica tarde de sábado, o vizinho devedor do tráfico de drogas se livrou da morte enquanto, Alcides era confundido, baleado e morto. Com ele morria um símbolo, um símbolo de superação, de que vale a pena lutar por um dia melhor, por uma vida melhor.

Alcides era a identidade de um povo que sonha, mas que pouco faz para vencer e conseguir alcançar esse sonho. Alcides era mais que um estudante pobre que passou em primeiro em um concorrido vestibular, ele era aquilo que todos poderíamos ser se fizéssemos por onde, vencedor!