Julius Stranger: o dono do mundo – parte 6

Já não havia como declarar Julius uma pessoa fugitiva, oficialmente ainda era, mas o apoio popular era gigantesco e dificultava qualquer tipo de retaliação. A população, ainda que nunca tivesse visto uma só foto de Julius, o amava. Graças a ele, a maioria dos seres humanos contava com algum serviço das empresas de Julius e por eles pagavam preços modestos, quando pagavam.

Stranger ganhava prêmios, Nobel na Noruega e era “terrorista” na China e na Coreia do Norte, era fugitivo nos Estados Unidos.

Já tinha 10 anos desde a reunião da OTAN, e as autoridades se acostumaram com a “ameaça” Julius, contrariando os principais medo das nações não houve nesse período, nenhum ato hostil, de fato, o estranho parecia genuinamente só querer o bem de todos.

Mas se há uma verdade universal de todos os tempos é que a mudança sempre se impõe e a falta dela incomoda.

O inverno estava rigoroso, o frio tomava conta, mas ninguém morria de frio ou fome. A verdade é que, no novo mundo formado por Julius, somente não tinha casa ou apartamento e/ou um emprego quem não queria. Havia em abundância, para todos, e isso, acredite, tornou-se um problema.

Um sentimento de calma, acomodação se instalou na sociedade, tudo era tão barato e de tão boa qualidade que as pessoas simplesmente desistiram. Não buscavam novas descobertas, não tinham ambição de novos cargos ou conhecimento.

Julius previu esse cenário e tentava mudá-lo, mas sem sucesso.

A população parecia não “gostar” da harmonia em que estava inserida, começaram a se fechar em mundos vazios e solitários, o resultado foi o esperado:
o número de suicídios disparou, a maioria das igrejas fechou suas portas, já não fazia muita diferença se você era Cristão, Judeu ou Muçulmano, pouquíssimas pessoas buscavam Deus.

As escolas estavam vazias, não havia nem professores, nem alunos.

Em todo mundo, começaram a surgir regimes totalitários, mas de um modo diferente, como não havia protestos, os ditadores se impunham sem armas, simplesmente ninguém se importava, os usurpadores de cargo se apoiavam em poucas pessoas extremistas que queriam acabar com aquele estados das coisas.

Esses cenários também foram antecipados por Strange que se viu em uma sinuca de bico.

Se por um lado, conseguiu entregar a população um mundo muito melhor, o povo, essa entidade sem gênero, não sabia conviver com isso. Os poucos palcos religiosos que restavam acusavam Strange de manter um pacto com o demônio, instigavam seus fiéis a se abster dos produtos ou das facilidades entregues por Julius, algo quase impossível. Parecia que uma nova cruzada.

Não demorou, Julius entrou em uma depressão profunda.

Assim como a maioria das pessoas, não tinha mais ambições, era vítima da própria criação.
Não se manteve atento, ficava dias embebido nas lembranças de Karen amando e odiando aquele momento, repassava cada momento, cada olhar, cada toque, e como se quisesse finalmente ser pego, Julius cometeu uma série de erros, e então, numa tarde nublada de outubro, foi, finalmente surpreendido por uma força de governo.

Era domingo, estava no Texas nos Estados Unidos, em um rancho simples, fora finalmente preso.

Teria muito o que explicar. Não sairia dessa tão facilmente, ele sabia, porém, não se importava, estava farto. Era o fim…

Continua.

Capítulo 1
Capítulo 2

Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5

Era uma vez um homem vivo que estava morto

Era uma vez um homem.
Um homem que, ainda que vivo.
Estava morto.

Estava vivo, pois vivia.
Respirava.
Andava
Comia
Bebia
Vez ou outra até pensava.

Mas estava morto.

Esse homem não contestava.
Não se impunha.
Não se importava.
Não machucava.
Não curava.

Estava morto.

Um dia o homem morto
De fato morreu.

E, estando morto
nada se fez,
Afinal, o homem morto que antes vivia
Morto estava antes da morte propriamente dita.

Não viveu
O homem que antes de morrer
morto estava

O dia que fui um idiota e aprendi uma lição

zoom-invisibilidade-social-812Escrevo este post por dois motivos:um para dividir com vocês um aprendizado e também para não esquecer nunca do dia de hoje. O dia em que um desconhecido me fez sentir um idiota. O que aconteceu:

Acabava de assistir uma palestra que falava sobre evolução, sobre caridade, estas coisas que nos fazem pensar em sermos melhores. Estava com minha filha do colo, o que não justifica absolutamente nada, então um rapaz, segurando um saco de latinhas veio em minha direção e falou alguma coisa, confesso que não ouvi mas já fui dizendo:

– Hoje vou ficar te devendo.

E ele me respondeu:

– Nem sabe o que eu ia pedir e já diz que não tem.

Na hora me senti mal, até tentei conversar com ele, mas ele não queria mais conversa e se foi, me deixando com minha arrogância que não pode nem ao menos ouvir o que a pessoa tem a pedir. A questão aqui não é dinheiro, eu realmente não tinha um real, nunca tenho, só ajudarei um pedinte de rua quando eles aceitarem cartão. A questão é como a sociedade impõe o medo e o comportamento de pensarmos que não podemos nem ao menos ouvir o que um estranho tem a nos dizer.

Há algum tempo aprendi sobre o invisível social, que são essencialmente as pessoas que nos servem e nem ao menos nos damos o trabalho de olharmos em seus rostos, serventes, garçons, porteiros, essa lição eu aprendi. Agora, aproveito e aprendo mais uma. O cidadão seguirá sem receber meu dinheiro, pois como já falei, nunca o tenho, mas não terá mais a minha arrogância para levar para casa.

Queria muito que ele pudesse ler este texto, mas duvido que as oportunidades da vida lhe permitam isso, mas ainda assim, por favor, me desculpe. 🙁

As limitações de nós mesmos

DecapitaçaoO que lhe parecem os terríveis fatos que acontecem neste exato momento em Cascavel. Uma penitenciária, não super lotada,  com mais de 1000 presos e apenas 9 agentes penitenciários. Uma penitenciária inaugurada em 2007, ano que recursos de tecnologia como abertura automática da porta, circuito interno de tv, já estavam disponíveis e ainda assim não foram implantados. Uma facção criminosa. Um motivo. Dois presos decapitados. Dois arremessados do telhado e igualmente mortos. Outros tantos feridos na parte interna do presidio. Um presidio destruído.

E então o que lhe parece?

Merecem? São presos e merecem morrer? São retratos da incompetência administrativa? Não importa. Qualquer um destes sentimentos são retrato da nossa hipocrisia enquanto sociedade. Nossa hipocrisia cristã nos faz contra a pena de morte, e a favor do perdão. Porém, e esse porém sempre nos acompanha na vida, não costumamos ter um fio de cabelo de preocupação quando fatos como a rebelião de Cascavel ou de Pedrinhas acontecem.  Também não gostamos muito de dar a chamada segunda chance para os que já pagaram seu tributo com a sociedade.

Em recente pesquisa com pequenos empresários, apenas 11% deles considerariam dar uma oportunidade de trabalho para ex-detentos. Destes, apenas 2% consideraria oferecer um emprego em sua própria casa. Somos prioritariamente hipócritas, uma sociedade de hipócritas. Na última semana, a famosa Suzana, aquela que matou os pais, poderia ter saído da prisão em regime semi-aberto. Preferiu ficar. Mas ela matou os pais, me dirão vocês. Sim, eu sei. Um crime bárbaro e inadmissível, porém, segundo as leis do país, ela já pagou ou está pagando por isso.  Se nós resolvermos que nunca que lhe daremos outra chance, não seria melhor já executarmos a pena de morte? Nós já não a condenamos a tal?

Somos a limitação de nós mesmos. Nos impomos regras que não conseguimos cumprir e penas que não conseguimos perdoar, e assim vamos vivendo nossa vidinha de exclusões em julgamentos sem direito a defesa e igualmente seguimos defendendo a moral e os bons costumes contra aqueles que tentam subverter o que nossas convicções entendem como certo.

A identidade autofagica da sociedade

Mais cedo procurei no Aurélio, sim o dicionário, o significado de autofagismo, não encontrei. Talvez porque o termo seja tão pouco usado no restante do mundo que não lhes interesse o verbete, mas não no Brasil e muito menos no Paraná. Na ciência autofagia nada mais é que o autoextermínio, ou seja, uma célula precisa se reciclar e acaba exterminando a si mesma, é basicamente o processo do emagrecimento. Você corta a comida, a célula precisa de comida e acaba por abocanhar o que tem por perto, inclusive ela mesma, para tentar aplacar a sede de “forças”.

Trocando em miúdos como diriam os portugueses, autofagismo é aquilo que a gente faz quando desvaloriza algo nosso e supervaloriza o do semelhante, na prática é assim:  o Corinthians é melhor time que o Atlético e o Coxa simplesmente porque é de São Paulo (aqui não entremos no mérito do futebol), entendeu. A empresa que o seu vizinho em que ele ganha a mesma coisa que você, trabalha o mesmo período que você é melhor e ponto. É você enquanto ser pensante de uma sociedade tenta acabar consigo mesmo.

No Paraná, e deve ser assim em alguns outros lugares do Brasil mas como não conheço não comentarei, a “coisa” é bem pior. Encontramos algo melhor que o que fazemos aqui com a maior tranqüilidade. Nada que fazemos é tão bom quanto o que vizinho faz. E entendam que não estamos falando aqui da qualidade em si, pode até ser que o vizinho de fato seja melhor, porém aqui falamos sobre impressões.

Outro dia, o amigo Boby Vendramin (que com certeza irá me contestar dizendo que não era isso que ele queria dizer) me apresentou um vídeo segundo ele “animal”. No vídeo um cidadão questionava uma legião de fãs e pais que aguardavam horas pelo show de uma banda que na opinião dele tinha um som “trash”. Argumentei com Boby que aqui no Paraná isso já fora feito milhares de vezes e nem por isso teria merecido o comentário “animal” dele e que ele próprio com seu talento ímpar já teria feito coisas muito melhores. Isso é autofagismo.

Mais um exemplo? Outro dia estava na redação e um consultor comercial da empresa para qual eu trabalho elogiou efusivamente a ação editorial que outro estado fez, ocorre que  os primeiros a colocar em prática tal ação fomos nós, aqui no Paraná mesmo, isso é autofagismo.
O autofagismo é o mal da impressão, é o talvez como diria Nelson Rodrigues um complexo de vira-latas, é um mal da nossa sociedade. Aprender a nos valorizar e a valorizar nossas ações além de coisas que nos circundam falam mais de nossa cultura do que de nós mesmos, porém, é inerente ao nosso próprio crescimento e até mesmo sobrevivência de nossa identidade que trabalhemos isso com urgência.

Não precisamos com isso nos tornarmos soberbos, mas sim termos nossa própria identidade afim de tentarmos evitar nosso autofagismo cultural literalmente falando